JOÃO E MARIA | CONTOS DA CAROCHINHA #3

João e Maria

   Manuel era um pobre lenhador que vivia com sua mulher Margarida, e dois filhos - um menino e uma menina - no meio do mato, numa pequena choupana. O rapaz chamava-se João e a rapariga Maria.
   Uma noite, Manuel disse à mulher: 
     - "Que havemos de fazer para sustentar nosso filhos? O inverno aproxima-se, e nada temos para nós, quanto mais para eles!..."
     - "Sim, tens razão", disse a mulher , "e se me quiseres ouvir, deverás levá-los para o bosque. Aí, dando-lhes um pedaço de pão, acende o fogo, e em seguida abandona-os, recomendando-os a Deus".
     - "Ah! Senhor Deus do Céu!", exclamou o lenhador. "Podeis pensar em abandonar assim nossos filhinhos?"
     - "Pois bem", retorquiu a mulher, "nesse caso, vêlos-emos morrer de fome, e nós morreremos também. Podes desde já mandar preparar os caixões e as covas."
   Os meninos, que não podiam dormir, devorados pela fome, embora desde muito recolhidos e deitados sobre a caminha de palha, escutaram toda a conversa.
   Maria começou a chorar, mas João lhe disse:
     - "Não chores, irmãzinha. Eu acharei um meio para nos salvarmos."
   João, assim que viu os pais dormindo, levantou-se sem fazer barulho, saiu da choupana, e foi ajuntar uma porção de pedrinhas brancas, que trouxe para a cama. 
   Pela manhã, os pais estavam firmemente resolvidos a executar o que haviam ideado. A mãe deu-lhes um pedaço de pão, depois fechou a porta da cabana e pô-se a caminho.
   O lenhador acompanhava-a tristemente levando o machado a ombro.
   Em seguida vinha Maria, e depois João que, de distância em distância, deixava cair no chão umas pedrinhas. 
   Quando chegaram ao meio da floresta, as crianças ajuntaram galhos secos das árvores, nos quais o lenhador ateou fogo. 
   Então Margarida lhes disse:
   - "Vocês devem estar cansados. Durmam perto do fogo, vamos buscar lenha. Assim que acabarmos, viremos buscá-los."
   Os pequenos dormiram até meio-dia. Ao despertarem, o fogo estava apagado. Comeram o pedaço de pão que tinham trazido, e em seguida adormeceram de novo, para só acordarem ao escurecer. 
   Os pais não haviam regressado, e Maria começou a chorar. 
     - "Não tenhas medo", falou João, "pois daqui a pouco fará luar, e chegamos à casa."
   Momentos depois a lua brilhava no céu, iluminando o caminho.
   João tomou a irmã pela mão, e ambos principiaram a caminhar afoutamente.
   Ao amanhecer, chegaram à choupana dos velhos, e bateram à porta. A mãe admirou-se muito ao vê-los, mas o pai ficou satisfeitíssimo.
   Algum tempo depois, a miséria levou-os a pôr em prática o seu primitivo projeto.
   Novamente as criancinhas escutaram a conversa. João quis ir ajuntar as pedrinhas. A porta da cabana, porém estava fechada. Entretanto, consolou a irmã, dizendo-lhe:
     - "Não chores, maninha. Deus conhece todos os caminhos, e fará com que tomemos aquele por onde devemos seguir."
   Na madrugada seguinte, muito cedo ainda, os meninos receberam um pedacinho de pão, ainda mais pequeno do que da primeira vez, e foram levados para um lugar espesso, no centro da floresta, muito longe de casa. 
   O rapaz ia partindo o seu pãozinho no bolso e espalhava as migalhas na terra, cuidando que elas auxiliariam a achar o caminho.
   Como da primeira vez, ajuntaram ramos secos para fazer fogo. Depois os pais afastaram-se, e eles dormiram até meio-dia. 
   João não tinha mais nem um farelozinho de pão, mas sua irmã dividiu com ele o que trazia. 
   Adormeceram. 
   Ao despertarem já era noite fechada.
   Maria chorava.
   O irmão disse:
     - "Não chores, eu te levarei para casa."
   Quando a lua se ergueu, segurou a pobre menina pela mão, e caminhou com ela, contando encontrar a estrada, devido às migalhas de pão que espalhara. 
   Os passarinhos haviam comido tudo. Não se via mais nenhuma.
   Os dois meninos vaguearam perdidos, toda a noite, sem conseguirem jamais encontrar o atalho. 
   Exaustos de forças, fatigados a mais não poder, deitaram-se sobre a relva, e não tardam em dormir.
   Acordando, sentiram fome, mas encontrando algumas frutas silvestres, conseguiram mitigá-la.
   Depois puseram-se de novo em marcha, sem saberem para onde se dirigir, quando lhes apareceu um pequeno passarinho branco, que principiou a voar. As crianças acompanharam-no, pensando que os conduziria pelo bom caminho. 
   De repente avistaram uma linha casinha em cujo teto o passarinho foi pousar, tendo primeiro batido à porta com o biquinho.
   Os dois desgraçadinhos aproximaram-se e imaginem o seu contentamento quando viram de quê fora edificada a casinha; as paredes eram feitas de fatias de pão, o teto de bolos e as janelas de açúcar-candi.

   Eles, que estavam morrendo de fome, comeram um pedaço do teto e um pedaço da janela.
   No mesmo instante uma pessoa gritou:
     - "Quem é que está comendo a minha casinha?"
   Ouvindo aquela voz áspera e dura, tiveram grande medo, mas como continuavam famintos, tornaram a comer.
   Então surgiu uma velha hedionda, muito baixinha, com uma boca enorme, nariz de papagaio, toda preta e olhos verdes.
   Assim que a viram, João e Maria quiseram fugir.
   A velha, entretanto, acalmou-os.
     - "Nada receiem. Venham comigo que tenho ainda coisas mais gostosas para lhes dar."
   Entraram com ela e ficaram deslumbrados. Havia açúcar, biscoitos, leite, nozes, passas, figos e muitas outras gulodices.
   Enquanto olhavam maravilhados, para aquela porção de doces, a velha preparava-lhes dois pequenos leitos brancos.
   As duas criancinhas deitaram-se.
   Essa velha era uma terrível feiticeira que atraía as crianças oferecendo-lhes bolos para depois depois comê-las.
   No dia seguinte de manhã, dirigiu-se com feroz alegria para as duas caminhas onde elas estavam deitadas.
   Segurou João com uma das mãos, e pelo meio do corpo, enquanto com a outra lhe tapava a boca para não gritar. 
   Conduziu-o para o poleiro e voltou em seguida para perto de Maria, gritando com voz terrível:
     - "Levanta-te, preguiçosa! Teu irmão já está com as galinhas, e vou engordá-lo para assá-lo mais tarde."
   A pobre Maria ergueu-se espantada, e chorou desoladamente.
   Nem as suas lágrimas, nem os seus gemidos podiam comover a hedionda feiticeira, e a pobre menina foi obrigada a fazer todos os serviços de uma criada. 
   De tempos a tempos a bruxa ia ao poleiro e mandava o menino passar um dedo através das frestas da prisão, a fim de ver se já estava mais gordinho.
   João, que nada tinha de tolo, mostrava um osso descarnado e seco.
    "É singular", murmurava a velha, "como ele aproveita pouco do alimento que lhe dou".
   Certa manhã, cansada de esperar durante tanto tempo, exclamou:
     - "É preciso acabar com isso! Hoje mesmo assá-lo-ei!"
   Acendeu um grande forno que tinha em casa para cozer pão, com desejo de assar também a pequena Maria.
     - "Suba", disse ela, "nesta cadeira, e arranje as brasas com a pá."
   Maria dispunha-se a obedecer, quando ouviu o passarinho branco cantar:
     - "Toma sentido!... Toma sentido!..."
   Compreendeu imediatamente o perverso intento da cruel mulher, e retorquiu-lhe:
     - "Faça o favor de ensinar como é que devo fazer".
   A feiticeira subiu e inclinou-se para a boca do forno. Maria, aproveitando a distração da velha, empurrou-a para dentro, e fechou em seguida a abertura com a porta de ferro.
   Depois foi soltar João. Ambos abraçaram-se, e saíram alegres daquela maldita casa. 
   À porta o passarinho branco esperava-os em companhia dos outros, que haviam comido as migalhas de João.
   Cada um deles quis fazer um presente às duas gentis criancinhas.
   Maria estendeu o seu avental, e os passarinhos nele lançaram pérolas e pedras preciosas...
   Em seguida, o que havia ensinado o caminho voejou em torno deles, para mostrar a direção que deviam tomar.
   Atravessaram assim a floresta, e chegaram à margem de uma grande lagoa, onde um cisne branco se banhava.
     - "Oh! lindo cisne!", disseram os dois pequenos, "queres ajudar-nos a passar este lago?"
   A estas palavras, o cisne aproximou-se, abaixando a cabeça e transportou-os a ambos, um depois outro, à margem oposta.
   Aí já se achava o passarinho branco, que novamente se pôs a volitar em frente para guiar à cabana de seus pais.
   O lenhador e a mulher estavam aflitíssimos, lastimando a perda dos filhinhos e dizendo:
     - "Ah! se eles pudessem tornar outra vez, nunca, nunca, nunca mais havíamos de os abandonar na floresta."
   A porta abriu-se e os dois pequerruchos entraram.
   Quanta alegria! Como se abraçaram ternamente!
   Com os presentes que os passarinhos fizeram, estavam ricos, e não tinham mais a recear a miséria, a fome e o frio.

FIM!

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