GAROTAS AUDACIOSAS VESTEM CALÇAS COMPRIDAS, CAVALGAM COMO HOMENS E ATÉ PROCLAMAM A INDEPENDÊNCIA DO NOSSO PAÍS

A princesa Leopoldina tinha apenas 20 anos quando deixou a Áustria e embarcou rumo ao Brasil em 1817. Nessa época, atravessar o oceano era uma perigosa aventura. Os navios não tinham conforto, os naufrágios eram frequentes e as histórias que os navegantes contavam sobre misteriosos monstros marinhos assustavam até mesmo os mais velhos e experientes lobos do mar.

A corajosa jovem manteve a calma durante toda a viagem e tinha um bom motivo para isso. Sabia que, chegando ao Rio de Janeiro, ficaria enfim cara a cara com o esposo Dom Pedro, por quem estava apaixonada mesmo antes de conhecê-lo pessoalmente.

Eles haviam se casado por procuração. Essa era uma prática comum entre as famílias reais. Os casamentos não passavam de arranjos diplomáticos e os noivos nem costumavam ser consultados. Quem cuidava do assunto eram os reis e seus embaixadores. O importante era que a união fosse vantajosa da ponto de vista político e econômico para os dois reinos. As princesas eram educadas para isso. Desde cedo, aprendiam que os interesses reais estavam acima de seus sentimentos.

Leopoldina até que teve sorte. Podia ter se casado com algum príncipe velho, barrigudo e banguela, como aconteceu com sua irmã Clementina. Dom Pedro era jovem, bonitão e com olhos negros como jabuticabas. Ela chegou a escrever para sua irmã e confidente Maria Luísa, casada com Napoleão, que seu marido tinha os lábios "mais grossos do que os meus".

Era por isso que, durante a penosa viagem de navio, não se cansava de olhar para o medalhão com o retrato do príncipe Dom Pedro, preso a um colar de diamantes que havia recebido da corte portuguesa como presente de núpcias.

As negociações entre os diplomatas da Áustria e de Portugal para a realização do casamento foram difíceis e demoradas. Dom Pedro, que pertencia à Casa de Bragança, tinha fama de genioso e namorador. Diziam até que mantinha um caso amoroso com uma atriz francesa. Além disso, sofria crises epiléticas. Por outro lado, Portugal não estava em seu melhor momento. Napoleão havia invadido o país e forçado a família real a fugir para o Brasil. Em troca de seu apoio, a Inglaterra obrigava os portugueses a negociarem somente com ela. Era uma situação nada honrosa para os Bragança.

D. Pedro I e Dona Leopoldina em visita à Roda dos Expostos

Ao contrário, a jovem esposa de Dom Pedro pertencia à Casa dos Habsburgos, uma das famílias imperiais mais tradicionais, ricas e poderosas da Europa. Seu nome de batismo era tão grande quanto o poder de seu pai, o imperador Francisco I: Leopoldina Josefa Carolina Francisca Fernanda Beatriz de Habsburgo-Lorena. Havia recebido uma educação primorosa. Desde menina teve aulas de história, política, filosofia, arte e línguas estrangeiras. Adorava ciências naturais. A ideia de poder estudar de perto a natureza exótica de um país como o Brasil também animou a princesa durante a viagem.

Quando chegou ao porto do Rio de Janeiro, Leopoldina foi recebida com grandes festejos. Desde cedo já se ouviam as salvas de tiros de canhão e os sinos das igrejas anunciando a chegada. Todas as ruas por onde passaria o cortejo real estavam enfeitadas com tapeçarias, guirlandas de flores e folhas de palmeira. O cais ficou apinhado de gente de todas as classes para ver a princesa de perto. Antes que ela desembarcasse, Dom Pedro foi conhecê-la a bordo do navio. Trocaram olhares encabulados, mas Leopoldina teve certeza de que não se enganara: seu príncipe era lindo.

Os primeiros anos de casamento foram felizes. Volta e meia, o casal era visto cavalgando em passeios solitários pela floresta da Tijuca. Leopoldina causava espanto, nessas ocasiões, usando calças compridas e montando como os homens, ou seja, encaixando as pernas na sela, e não sentando de lado como faziam as mulheres. Foi a primeira a se vestir e se comportar desse modo no Brasil.

Seu maior problema era conviver com a família real no palácio de São Cristóvão. O ambiente que encontrou era bem diferente daquele do palácio de Schönbrunn onde nasceu e foi criada, em Viena. A corte portuguesa não era culta e nem muito chegada aos bons modos. As damas viviam fazendo mexericos pelos cantos e logo apelidaram Leopoldina de "a estrangeira". Seu único amigo era o sogro Dom João VI, que Leopoldina chamava "meu pai da América".

Durante um tempo, ela teve esperança de regressar à Áustria. Aos poucos, seu sonho foi se desfazendo. A família real portuguesa voltou a Lisboa e Dom Pedro ficou no Brasil no lugar do pai como príncipe regente. Ao mesmo tempo que os filhos iam nascendo - eles tiveram seis -, Dom Pedro voltou à sua vida desregrada, deixando Leopoldina sozinha no palácio. Por sorte, ela fez amizade com José Bonifácio de Andrada e Silva, que mais tarde se tornaria o Patriarca da Independência. Embora ele fosse bem mais velho do que ela, ambos esbanjavam cultura e passavam horas conversando sobre os mais diversos assuntos.

Empress Maria Leopoldina of Brazil with her children, by Domenico Failutti, 1921

Com a partida da família real portuguesa, o movimento pela Independência do Brasil ficou mais forte. Dom Pedro resistiu um bom tempo até aderir à ideia de separação definitiva de Portugal. Em parte influenciada por José Bonifácio, em parte por suas próprias convicções, Leopoldina abraçou a causa da Independência muito antes do marido. Sua participação foi bem maior do que costumam registrar os livros de história.

Muita gente não sabe até hoje que a Independência do Brasil foi proclamada por ela, no papel, cinco dias antes de Dom Pedro desembainhar sua espada e dar o famoso grito de "Independência ou morte!". Ele havia viajado para São Paulo. Leopoldina ficou em seu lugar no comando do império. Nesse meio-tempo, chegaram ordens expressas de Portugal exigindo o retorno do casal real a Lisboa.

Indignada, Leopoldina convocou um sessão extraordinária do Conselho de Estado e, de comum acordo com os ministros, assinou a independência do Brasil. Em seguida, mandou um mensageiro a São Paulo para comunicar a Dom Pedro tanto a imposição de Portugal quando a decisão do Conselho. Juntou aos documentos uma carta pessoal encorajando o marido a tomar uma atitude. Foi essa carta que Dom Pedro leu próximo ao riacho do Ipiranga no dia 7 de setembro de 1822. O resultado foi a história que todo mundo conhece.

As glórias da proclamação da Independência ficaram só para Dom Pedro, mas a participação de Leopoldina foi decisiva. Tanto que, algum tempo antes, diante da hesitação do príncipe em relação
à separação de Portugal, o patriarca José Bonifácio chegou a declarar: "Ela deveria ser ele!". Menos de um mês depois da proclamação, Dom Pedro foi aclamado imperador e passou a se chamar Dom Pedro I. Leopoldina tornou-se assim a primeira imperatriz brasileira.

Dona Leopoldina e o Conselho: ela não gritou, mas separou Brasil e Portugal

Por uma grande ironia do destino, a mesma viagem que entrou para a história do Brasil marcou o começo do fim trágico de Leopoldina. Foi em São Paulo que Dom Pedro conheceu sua amante Domitila de Castro, a futura marquesa de Santos. Não demorou muito para que o príncipe levasse sua amada para a Corte, no Rio de Janeiro. Instalou Domitila numa casa próxima ao Palácio de São Cristóvão para que pudesse vê-la sempre que quisesse. Para tormento de Leopoldina, o caso caiu na boca do povo e era comentado em todas as esquinas. A humilhação foi ainda maior quando Dom Pedro teve o descaramento de nomear Domitila como primeira dama de sua esposa. Desde então, as duas mulheres passaram a viver sob o mesmo teto.

Desprezada por Dom Pedro e cada vez mais sozinha, Leopoldina entrou em profunda depressão. Grávida de mais um filho, perdeu a criança. Sua saúde foi se tornando mais frágil até que, sem forças para reagir, viu-se presa a uma cama. Depois de uma longa agonia de delírios, febres e suores, morreu com apenas 29 anos.

Sem jamais voltar à Áustria, Leopoldina morreu mais brasileira do que nunca.



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